Nestes mais de cinco anos de atividade em fóruns de São Paulo, principalmente no Fórum Criminal da Barra Funda, o Palhaços Sem Juízo, projeto pioneiro e inédito, se consolidou junto ao público atendido. Sentimos das crianças, adolescentes, seus familiares e trabalhadores dos fóruns uma excelente recepção, marcada por grande empatia.
Há um entendimento de que estamos presentes ali com o propósito de diminuir os efeitos da violência contra crianças e adolescentes por meio da arte, para que se sintam fortalecidos ao contar às juízas e juízes as agressões sofridas.
É nossa missão. As crianças e adolescentes se relacionam conosco com naturalidade e curiosidade, querem brincar. Estão alheios a toda a causa, nem percebem que são nosso princípio e fim.
Por que palhaços em um fórum criminal?
Nesse tempo todo, essa pergunta persiste: por que palhaços em um fórum criminal? O que nos levou ali — e nos encantou — foi a possibilidade de uma criança ou adolescente exercer seu direito de se expressar livremente, contar sua versão dos fatos, se fazer ouvir e experimentar a Justiça. Que sua palavra tenha poder de prova em um processo e que seja essencial que ela se sinta em um espaço sem entraves e sem receios.
O que nos motivou foi conhecer a Lei do Depoimento Especial, inserida no ECA, que protege o depoimento de uma criança para evitar sua revitimização. E o que nos surpreendeu foi a consciência da dimensão profundamente humana das versões dos fatos, onde cada lado tem uma verdade que quer fazer prevalecer, enquanto as mazelas das relações emergem, quase sempre ferindo a criança.
Se o palhaço é a encarnação do erro, espelha a humanidade, simboliza o riso como resistência e a alegria como a melhor tradução de coragem — que lugar mais justo poderia haver para ele estar?
A tomada de decisão de uma criança ou adolescente para denunciar uma agressão sofrida é dolorosa e imensa. Nos confrontamos com situações desmedidas, dramáticas, trágicas — e justo com crianças e jovens… não deveria acontecer! Mas acontece, e muito. A violência é o poder covarde e sem medida contra o vulnerável.
Parceiros
Nossa ação ecoa um movimento de humanização do atendimento ao público. Temos uma parceria institucional com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que não implica em ônus econômico ao Poder Judiciário — o projeto é gratuito.
Por meio da chancela da Lei Federal de Incentivo à Cultura (PRONAC 2024), buscamos patrocínio. Também oferecemos palestras, cursos e oficinas para sustentar e expandir nossa atuação. Temos muitos planos: implementar ações em novos fóruns, lançar campanhas contra a violência infantil e de gênero, e criar espetáculos infantojuvenis para divulgar o ECA. Afinal, os sapatos grandes do palhaço servem para caminhar longe. Para isso, buscamos patrocinadores e apoiadores.
O dia a dia
Em 2024, atuamos quinzenalmente, quatro horas por dia, de março a dezembro, junto a mais de 100 crianças e adolescentes acompanhados por seus familiares, que participam das situações criadas. Cada história é única, nascida a partir do que cada criança indica — de seu subtexto, do que a povoa naquele momento. Vamos então estabelecendo bases para o desenvolvimento da narrativa, até o desfecho, sempre tendo como parâmetro o protagonismo da criança.
O público adulto com o qual atuamos — familiares, trabalhadores e usuários do fórum — soma mais de 300 pessoas.
Em 2024, o Setor de Atendimento a Crimes Contra Infantes, Idosos, Pessoas com Deficiência e Tráfico de Pessoas (SANCTVS) foi transformado na 1ª e 2ª Varas Especiais de Crimes Contra Crianças e Adolescentes, onde atuam três magistrados.
Participamos da Semana Agosto Verde do TJSP, no Palácio da Justiça, que recebeu 45 crianças e adolescentes abrigados. Como assistentes das juízas presentes, fomos seus cicerones. As crianças estavam curiosas e à vontade. A beleza sempre comove e inspira, e o lugar é lindo. As crianças e adolescentes aproveitaram a ocasião para perguntar às magistradas sobre seus processos e como funciona um julgamento. Abrir as portas do Palácio da Justiça é um gesto de aproximação das crianças e adolescentes da Justiça, alinhado com o que acreditamos e trabalhamos.
O elenco se reúne frequentemente para trocar experiências, aprofundar o trabalho, produzir e registrar material, mantendo-se alinhado à missão. Além disso, o Palhaços Sem Juízo foi tema de Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCCs) nas áreas de Direito e Artes Cênicas.
Comunicação
Em nossas redes sociais, contamos sobre nossos encontros com crianças e pais (sem mencionar suas identidades), funcionários e sobre o infinito aprendizado dessa convivência. Escrevemos sobre nossas inquietações e perspectivas, criamos vídeos e campanhas, repostamos matérias, notícias e iniciativas oficiais e de outras organizações, divulgando e fortalecendo o objetivo comum de enfrentamento e prevenção das violências e proteção da infância e juventude.
Aprofundamos e ampliamos nosso conhecimento por meio de cursos e seminários sobre temas como a história das infâncias no Brasil, trabalho infantil e prevenção às violências. Trocamos experiências com grupos, entidades e ativistas na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, que nos formam como artistas e cidadãos, refinam e aguçam nosso fazer e nossa arte.
A todas as pessoas de nosso convívio nos fóruns, às crianças e jovens e seus familiares, nosso muito obrigada!
Que 2025 seja um ano corajoso, animado pela defesa e garantia dos direitos das crianças e adolescentes!